Estupro de mulheres negras e indígenas deixou marca no genoma d@s brasileir@s
por Maria Clara Rossini, Tlaxcala, 10.01.2021. Primeiros resultados do projeto de sequenciamento genético mais abrangente já realizado no Brasil mostram que genes herdados exclusivamente por via materna em geral são de negras e indígenas, e que genes transmitidos pelos pais são quase todos de colonizadores europeus.
Mulher indígena sendo marcada. Pintura de Miguel Covarrubias
O projeto DNA do Brasil tem como meta analisar o genoma de 40 mil brasileiros. Trata-se da maior pesquisa do tipo já realizada no País, e ela resultará na base de dados genéticos mais abrangente disponível sobre a nossa população. A iniciativa foi anunciada há nove meses, em dezembro de 2019, e já está entregando seus primeiros resultados.
Os pesquisadores já completaram o sequenciamento do genoma de 1.247 brasileiros. Os voluntários são de todas as partes do país, o que inclui desde comunidades ribeirinhas na Amazônia até moradores da cidade de São Paulo. Um dos objetivos da pesquisa é médico: os dados genéticos permitem identificar grupos mais suscetíveis a certas doeças, o que possibilita direcaionar recursos e esforços do SUS com inteligência.
O mapeamento genético também também fornece dados sobre ascendência dos voluntários. Só nesses 1.247 genomas preliminares já foi possível observar variantes genéticas provenientes de 54 populações ao redor do mundo. Os resultados mostram que sim, o Brasil é extramemente miscigenado – mas que essa miscigenação não ocorreu de forma equilibrada.
Herança desigual
Metade dos nossos genes são herdados da mãe, enquanto a outra metade é do pai. Em geral, não é possível identificar quais genes vieram de cada um deles. Mas há exceções.
O cromossomo Y é uma delas. As mulheres possuem cromossomos sexuais XX, e os homens, XY. Isso significa que a mãe sempre vai transferir o cromossomo X para o feto. E aí os espermatozoides do pai ficam responsáveis por “decidir” o sexo do bebê, mandando o cromossomo X ou Y.
Isso significa que todo cromossomo Y encontrado na população vem sempre do pai, permitindo traçar a linhagem dos homens do país. O mesmo vale para o DNA mitocondrial em relação às mulheres. É sempre a mãe que passa a mitocôndria ao filho – mitocôndrias são usinas de energia das células que tem seu próprio material genético –, então todo DNA das mitocôndrias de uma população foi necessariamente herdado das mulheres.
Agora, aos resultados: 75% dos cromossomos Y na população são herança de homens europeus. 14,5% são de africanos, e apenas 0,5% são de indígenas. Os outros 10% são metade do leste e do sul asiáticos, e metade de outros locais da Ásia.
Com o DNA mitocondrial foi o contrário: 36% desses genes são herança de mulheres africanas, e 34% de indígenas. Só 14% vêm de mulheres europeias, e 16% de mulheres asiáticas.
Somando as porcentagens femininas, temos que 70% das mães que deram origem à população brasileira são africanas e indígenas – mas 75% dos pais são europeus. A razão remonta aos anos da colonização portuguesa no Brasil. O estupro de mulheres negras e indígenas escravizadas era o padrão.
A exploração violenta e extermínio em massa também fizeram com que os homens indígenas quase não deixassem descendentes – eles representam apenas 0,5% do genoma na população, enquanto as mulheres nativas somam 34%. “O que acontecia era matar ou subjugar os homens e estuprar as mulheres”, diz Tábita Hünemeier do Instituto de Biociências (IB) da USP, que estuda genética de populações e é uma das coordenadoras do projeto.
Números como esses não são novidade para a genética. “Esse é o padrão latino-americano”, fala Hünemeier. O mesmo acontece na população de países como Colômbia e Cuba, que também tiveram colonização ibérica. Outros estudos genéticos realizados no Brasil, que analisam apenas o cromossomo Y e DNA mitocondrial, vêm mostrando essa mesma tendência desde os anos 2000.
Além de escancarar atrocidades históricas, o genoma dos primeiros voluntários do projeto também revelou quatro milhões de variantes genéticas novas, que não estão registradas em outros bancos internacionais de genomas. Outro mapeamento genômico recente, feito apenas com idosos brasileiros, mostrou mais duas milhões de variantes inéditas.
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